Movimento – nossa fatídica
condição
Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas
uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para
as que diante de mim estão, prossigo
para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.
Filipenses 3:13-14
Em nossa jornada em direção ao
curso proposto, percebemos que quanto mais avançamos mais do que o cenário
muda, mudamos nós também. Isso não poderia ser diferente, pois as impressões
colhidas pelo caminho por onde passamos gruda em nós e nos força a acolhê-las
como parte de nós, como se fossem acréscimos necessários, até então
desconhecidos, que nos compõem. Mudamos não só com o passar do tempo, também
mudamos ao passar pelas sendas de nossa jornada, pois se é notório que deixamos
nossas marcas na estrada que pisamos é natural que a estrada também em nós
imprima as suas. E essa transformação é tão visível que todos nós podemos
constatá-la olhando para quem éramos e em quem nos temos tornado, como bem
observou Pascal ao afirmar que não existe nenhum homem tão diferente do outro do
que dele mesmo depois de alguns poucos anos. Não cabe dizer se essas mudanças
nos fazem pessoas melhores ou piores, mas é inegável que elas nos fazem o que somos. Esse movimento
constante nos deixa numa condição angustiante, pois o hiato existente entre o
devir e o ser é desconfortável demais para criaturas tão ansiosas. Seguimos num
rítimo acelerado de tal maneira que não conseguimos perceber as mudanças
enquanto elas estão se passando, ou pode ser que achemos o processo entediante
demais para observá-lo. Não devemos estranhar o rítimo, ele é necessário porque
a monotonia nos deixa entediados, evidência de nossa constante transformação. Temos
necessidade do novo, mesmo que ele nos assombre; ansiamos tanto o desconhecido
porque nossa imaginação se alimenta de aventura. Talvez essa obstinação se
explique pela pressa que temos de chegarmos ao fim da jornada, já que é de
aventura em aventura que vamos nos tornando o que somos. Daí o fastio pela
inércia e a indiferença pela monotonia. Nenhuma cena descreve melhor esse
processo do que aquela retratada po J.R.R. Tolkien em Senhor dos Anéis. Frodo
engaja numa aventura de proporção jamais imaginada. Ele vive experiências
incríveis, conhece lugares extraordinários e pessoas fascinantes. Depois de
cumprir sua árdua missão ele retorna para o seu lar, o Condado. O que é
interessante no seu retorno é que não fora o tempo que ele estivera fora mas
sim as experiências vividas que lhe causaram tantas mudanças. O mesmo tempo não
fora capaz de imprimir nos demais hobbits do Condado as mudanças que Frodo
sofreu em suas aventuras. Longe de casa tudo o que ele mais ansiava era poder
voltar ao lar, mas quando isso acontece uma estranha sensação se apossa do
pequeno hobbit, sente-se incomodado com a monotonia do seu lar. Certamente não
era o mesmo Condado de quando ele partiu, mas não havia mudado tanto assim a
ponto de não mais acolher seu pequeno herói. A verdade é que fora ele, o
pequeno Frodo que mudara e se tornara grande demais para o Condado! Que transformação!
E assim, ele precisa seguir em frente pois não é mais a mesma criatura para
quem um dia o Condado fora tudo o de que precisara. Ele necessita seguir em
frente para embarcar numa aventura completamente nova. Talvez seja a sua última
viagem e nem mesmo a força de sua provada e durável amizade com Samwise foi suficiente
para privá-lo de mais essa jornada. E assim, ele segue em direção ao oeste!
Penso que todos nós, de alguma
maneira somos iguais ao pequeno hobbit. As experiências que se acumulam nas
bordas de nosso ser, pouco à pouco nos impelem a seguir em frente. Cada novidade
é ao mesmo tempo uma conquista e um impulso para avançar um pouco mais numa
direção que não controlamos e numa velocidade que ignoramos. Nunca estamos
contentes com o nosso estado porque sabemos que um estado novo logo se nos
mostrará. Por isso nunca estamos satisfeitos com o nosso “condado” porque
sempre tem um horizonte que nos convida a mais uma aventura, até chegarmos
finalmente em casa! Aí, imagino eu, repousaremos!
Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as
promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram
estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo
manifestam estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem
daquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a
uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles,
de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade. Hebreus 11:13-16
Wilson de Oliveira

